De Buckinghamshire (Inglaterra) - James Bond não é o tipo de cara que poderia ser menosprezado por ninguém. Afinal, quem poderia fazer bullying com o espião? Eu tomaria essa liberdade. Nem tanto pelo talento nas cartas, pela sorte no amor ou pela capacidade de ingerir várias doses de martini sem perder a pose, mas sim por ter dirigido um Aston Martin que ele mesmo não andou: o novo Vanquish. No último Skyfall de 2012 o agente secreto se valeu do clássico DB5 no lugar do DBS V12 usado nos dois filmes anteriores. Então não deu tempo ainda para ele pegar esse cupê. Então foi a minha deixa para ir direto a Buckinghamshire na Inglaterra para testar em primeira mão esse superesportivo que desembarca agora no Brasil.
Sucessor do DBS, o Vanquish agrega várias soluções das séries especiais One-77 e Zagado V12. Entre essas heranças, nenhuma é tão importante quanto o V12 6.0 retrabalhado para despejar 573 cv e 63 kgfm de torque, além do câmbio encaixado junto ao eixo traseiro, um arranjo chamado de transeixo que serve para equilibrar melhor o peso nesse cupê de motor dianteiro.
Ao olhar para o motor, um dos últimos V12 produzidos artesanalmente do mundo, fica até difícil de falar isso, mas o fato é que o Vanquish vai muito além do propulsor. A estrutura é toda feita em alumínio colado com adesivo de altíssima resistência, tudo integrado a outros componentes feitos em fibra de carbono, material que reveste toda a carroceria. Coisa de supercarro da Lamborghini.
Talvez até para conquistar fãs dos chamativos superesportivos italianos, o estilo do Vanquish é bem menos sóbrio que o antigo. Há detalhes de gosto quase duvidoso, que poderiam ter vindo de uma dessas "criativas" empresas de tuning, exemplo do excesso de fibra de carbono exposta. O aerólio vazado sobre o porta-malas é um desses toques, bem diferente do antigo spoiler integrado a tampa imitado por inúmeros fabricantes.
O projeto se preocupou com o conforto do agente e de suas “Bond Girls”: o carro ganhou em largura, comprimento e porta-malas. Mas nem pensar em acomodar adultos no que a fábrica chama de “assentos traseiros”. Aliás, opcional menos hipócrita é pedir o espaço traseiro já desenhado para transportar pequenas bagagens. O interior continua sofisticadíssimo: puro couro, cromados e fibra-carbono. O som é Bang & Olufsen de 1.000 watts e quinze alto-falantes. Os vidros elétricos são automáticos só na descida. Para subir, a fábrica diz que a tecnologia de “antiesmagamento” ainda não está disponível no modelo. Pura economia de palito num GT que pretende disputar o pódio entre esportivos como Ferrari, Maserati, Porsche e que tais.
GRAN TURISMO DE FATO Ao contrário dos superesportivos mais puristas, o lance do Vanquish é jogar nas duas pontas: manter o conforto de um cupê de alto luxo e dar alegria para aqueles que adoram se atirar nas curvas. Para os que querem vida mansa, o carro ganhou em comprimento, largura e porta-malas. Mas nem mesmo a bond girl mais contorcionista conseguiria andar no banco traseiro. Talvez por isso mesmo a marca abandona a hipocrisia na hora de oferecer, como opcional, a retirada desse banco, substituído por um espaço para levar pequenas bagagens.
Na mesma linha, os materiais são de dar inveja a palácios: couro de alta qualidade, alcântara no teto, cromados de verdade e... mais fibra de carbono (a coisa de verdade, nada de imitações). O som é de opera house, um sistema Bang & Olufsen de 1.000 watts e 15 alto-falantes. Contudo, há uma falha que nem um compacto nacional pode marcar: os vidros elétricos tem função um-toque apenas para descer, para subir nada. O fabricante afirma que isso se dá pela falta do sensor antiesmagamento, mas, convenhamos, isso é uma economia de palito para quem quer ser uma mistura de Rolls-Royce com Maserati.
Não chega a ofuscar o belo arranjo interno. O largo console central é uma peça única e mescla toques de extrema modernidade com soluções quadradas. Os controles climáticos e de infoentretenimento são desenhados sobre um acabamento em cristal negro, uma espécie de superfície touch. Coisa de Apple. Em contrapartida, os botões do câmbio (P,N,R e D) me remeteram imediatamente ao Chrysler 300 dos anos 50. Só há câmbio automático, uma caixa de seis marchas de relações bem escalonadas.
Há firulas que você só encontra em um Aston Martin, exemplo da linda chave de ignição quadradinha, engastada em cristal. Outros desapareceram, como o charme de uma caneta fina embutida no console (existente no Vantage). Pelo menos não levaram o guarda-chuva no porta-malas. Para o tempo britânico ou para a garoa de São Paulo, é um acessório realmente indispensável.
PULSO FORTE
Essa chave de cristal se ilumina quando você insere ela no seu nicho. Pode não ser tão clássico quanto a partida à esquerda no Porsche 911, porém dá um efeito cênico quando a própria chave acende em vermelho brilhante. Tá vendo, nem o cristal translúcido deixa de ter um propósito. Mais interessante do que isso é o ronco rouco e pipocante desse 12 cilindros.
Os ingleses são fãs de pugilismo, na hora da porrada eles deixam de lado toda fleuma. O 6.0 é capaz de suscitar essa brutalidade que vive mesmo nos mais aristocratas. O Vanquish arranca até os 100 km/h em 4,1 segundos - o DBS faz em 4,8 s. O Porsche 911 Turbo conseguem fazer em menos, mas, sinceramente, não entrega a mesma sensação. Da mesma forma, a velocidade máxima não é daquelas que rompe os 300 km/h e vai além, fica limitada a 295 km/h. É um limite mais do que razoável.
Se não debulha os números dos rivais, o Vanquish é rei no mundo sensorial. Enquanto você segue inebriado pelo aroma que remete aos antigos clubes britânicos, lá fora a tempestade come. A direção é direta e bem calibrada, os ingleses ainda preferem os sistemas hidráulicos que não tolhem tanto a sensibilidade.
Existem três ajustes de comportamento da suspensão ativa. No modo Normal, o Vanquish agarra ao asfalto em curvas de alta e faz o que pode nas curvas de baixa, compensando o tamanho (4,70 metros) e o peso de 1.740 kg, dentro da média desse tipo de veículo. Só não é exatamente confortável ao passar por pisos muito irregulares, provavelmente em função das enormes rodas aro 20 de série, que abrigam enormes discos de cerâmica, mas exigem pneus de perfil inexistente. Esqueça as suas vértebras por um instante e opte pelo modo Sport. Aí a inclinação da carroceria mostra-se mínima. Quer mais? Ainda há o modo Track que, como bem diz, é voltado para as pistas. A suspensão passa a reportar tudo o que se passa debaixo do esportivo e haja bunda e coluna para aturar o comportamento em outro lugar que não um autódromo.
Além do controle de suspensão, o motorista comanda todos os outros parâmetros dinâmicos pelo DSC (Dynamic Stability Control), com as mesmas opções, que então interferem no peso da direção, no acelerador e ponto de troca de marchas. E até interfere nos ouvidos... é que ao passar para o Sport ou Track uma válvula no escapamento se abre e o som do motor vira uma sinfonia furiosa. Dá mais e mais vontade de usar toda hora aquelas aletas de metal no volante, reduzindo mesmo quando não há necessidade.
Dá vontade de acelerar até esquecer as curvas, mas na hora que elas se aproximam de maneira alarmante basta pisar no pedal do freio com vontade. Os discos carbono-cerâmicos têm mordida violenta. Ou seja, é só se ancorar no pedal e aproveitar a direção hidráulica para uma inserção afiada. Falando nela, a coluna de direção tem ajuste manual de distância e profundidade. Alguns podem achar um sacrilégio, mas é o tipo de coisa que ajuda a economizar peso justamente onde ele iria mais atrapalhar.
Nas saídas, pode dar acelerador mais cedo que o diferencial de deslizamento limitado passa a maior parte da força para a roda com mais aderência. O equilíbrio do motor dianteiro com câmbio lá atrás é impecável, 51% do peso fica na frente e 49% atrás. Um arranjo bem mais previsível no limite do que os superesportivos de motor central-traseiro da Ferrari e Lamborghini.
Embora seja rápida e adequada para a potência e torque elevados do modelo, a caixa de seis marchas merecia umas relações a mais. Ainda mais agora que já se anunciaram câmbios de até 10 marchas. Pelo menos incluíram o Launch Control. É a arma perfeita para o agente secreto mais indiscreto do mundo: com ele acionado, controles de tração e outras traquitanas trabalham para fazer sempre a arrancada mais perfeita possível. Basta para deixar um rastro de borracha, enquanto o som rascante desaparece junto com um borrão no horizonte.
O preço de tudo isso no Brasil é caro, nada menos que 800 mil dólares, cerca de R$ 1,8 milhão pelo câmbio do dia. A versão conversível Volante eleva essa cifra a R$ 1,89 milhão. É mais caro que uma Ferrari 458 Itália, que sai por R$ 1,5 milhão e anda mais forte. Mas adivinhe qual tem mais chances de estrelar algum filme do 007?
Publicado em: 2014-07-02T19:32:00-03:00
Ler mais aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário